PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO – Continuação

Sumário 2. Regime jurídico-administrativo — princípios 2.1. Supremacia do Interesse Público 2.2. Princípio da indisponibilidade 2.3. Princípio da continuidade 2.4. Princípio da autotutela 2.5. Especialidade 2.6. Presunção de legitimidade, DE LEGALIDADE, DE VERACIDADE 2.7. Razoabilidade 2.8. Proporcionalidade 2.9. Motivação 2.10. Segurança jurídica 3. Violação dos princípios


2. REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO — PRINCÍPIOS

Os princípios constituem a pedra de toque de todo o sistema normativo; a partir deles constituem-se as normas; correspondem, assim, a juízos abstratos e que dependem, para aplicação, da correspondente adequação com a norma escrita.

A Constituição Federal estabelece os princípios básicos no capítulo próprio da Administração, mas há outros tantos que informam todo o direito administrativo e que constituem o chamado regime jurídico-administrativo. Sem esgotar o rol, examinam-se alguns dos princípios de relevo e de importância prática.


2.1. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

No confronto entre o interesse do particular e o interesse público, prevalecerá o segundo. Tal não significa o esquecimento do interesse e direito do particular, mas garante a prevalência do interesse público, no qual se concentra o interesse da coletividade, como ocorre nas hipóteses em que a Administração reconhece de utilidade pública um bem imóvel e declara a sua expropriação.

O direito de propriedade deferido constitucionalmente ao particular cede lugar ao interesse da coletividade. Haverá sempre limites a tal supremacia; o Poder Público não está desobrigado de respeitar os direitos individuais — muito ao contrário, tampouco pode, como visto, deixar de atender ao comando da lei (princípio da legalidade).

É da supremacia do interesse público que decorre o deferimento de prerrogativas para o Poder Público ou para as entidades que integram a Administração Pública a fim de que exerçam suas funções.

Os poderes administrativos são expressões decorrentes desses princípios e por eles o Estado-Administração impõe ao particular a sua vontade, que há de ser adstrita à lei e aos demais princípios e regras jurídicas. O que legitima a atuação estatal é o interesse público, e este deve preponderar sempre.


2.2. PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE

Não é deferida liberdade ao administrador para editar atos ou concretizar transações de qualquer natureza sem prévia e correspondente norma legal e que não atenda ao interesse público.

Os bens, direitos e interesses públicos são confiados a ele apenas para a sua gestão, nunca para a sua disposição. O poder de disposição, seja para aliená-los, renunciá-los ou transacioná-los, dependerá sempre de lei. Não há poder de transigir sem lei anterior que o permita.

Assim, seja para alienar bens, contratar pessoal ou realizar procedimento licitatório, sempre estará o administrador condicionado aos limites de seus poderes (e deveres) de mera gestão. O princípio é próximo e se confunde em parte com o da legalidade, muito embora este lhe seja superior e antecedente necessário.

O exercício da atividade administrativa traduz-se em deveres para o agente público e para a própria Administração Pública: deveres de guarda, aprimoramento, conservação do interesse público. Ao contrário do que ocorre usualmente na gestão da atividade privada, para a Administração e seus agentes não há qualquer liberdade de disposição ou renúncia, mas sim indisponibilidade.

A atividade confiada à Administração e seus agentes possui natureza meramente instrumental, constituindo um múnus público, encargo, ou dever.


2.3. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE

A atividade administrativa, em especial os serviços públicos, não pode sofrer paralisações. Por ser essencial à coletividade e ao próprio Estado, não há função pública irrelevante ou que admita supressão, exceto se assim dispuser a norma legal antecedente.

Administrar corresponde a gerir os interesses da coletividade, a coisa pública em sentido amplo, visando sempre o atendimento das necessidades públicas. Por isso, diz-se ser a atividade administrativa ininterrupta.

Por conta desse princípio há ressalvas e exceções ao direito de greve a todos deferido (v., adiante, Capítulo X, item 7). Em se tratando de agentes públicos, contudo, determinadas funções não podem sofrer paralisação em nenhuma hipótese, nem mesmo para o exercício daquele direito constitucional (art. 37, VII, da CF).

Há proibição ao exercício da greve por militares (art. 142, § 3º , IV, da CF), e para os demais tal exercício depende de regulamentação legal (v. Lei n. 7.783, de 28-6-1989, que regula os chamados serviços essenciais prestados pelo setor privado).

Serviços essenciais não admitem paralisação, como os de segurança pública, transporte público, saúde etc. Também por força desse princípio, ao menos em tese, não pode o contrato administrativo deixar de ser cumprido pelo contratado, ainda que a Administração — contratante — tenha deixado de satisfazer suas obrigações contratuais.

Não é aplicável aos contratos administrativos, via de regra, a chamada exceção de contrato não cumprido (CC, art. 476), ou exceptio non adimpleti contractus, assim como, por força desse princípio, admite-se a encampação da concessão de serviço público, além da extinção do contrato de concessão por força da caducidade.


2.4. PRINCÍPIO DA AUTOTUTELA

Deve a Administração rever os seus próprios atos, seja para revogá-los (quando inconvenientes), seja para anulá-los (quando ilegais). “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados dos vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial” (Súmula 473 do STF).

Anula-se o ato ilegal; revoga-se o ato inconveniente ou inoportuno. A possibilidade de revisão interna dos atos administrativos não pode conduzir a abusos, desrespeito de direitos.

Cessa a possibilidade de revisão, por conveniência e oportunidade, sempre que o ato produzir efeitos e gerar direitos a outrem. “O ato administrativo conta com a retratabilidade que poderá ser exercida enquanto dito ato não gerar direitos a outrem; ocorrendo lesão a existência de direitos, tais atos são atingidos pela preclusão administrativa, tornando-se irretratáveis por parte da própria Administração.

É que exercitando o poder de revisão de seus atos, a Administração tem que se ater aos limites assinalados na lei, sob pena de ferir direito líquido e certo do particular, o que configura ilegalidade ou abuso de poder” (STJ, RSTJ, 17/195).

Também não é admissível a revogação de ato vinculado, ou de ato cuja edição tenha sido imposta por lei, ou se já exaurida a competência do agente público. O desfazimento de qualquer ato administrativo que tenha produzido efeitos concretos deve ser precedido de processo administrativo, assegurado o devido processo legal.

O princípio da autotutela não se confunde com o da tutela, que alude à fiscalização realizada pela Administração Direta sobre atos e atividades desempenhados por entidades da Administração Indireta.

A tutela (sujeição ou controle exercido por outra pessoa) é realizada na forma e nos limites da lei (de legalidade e de legitimidade, na forma da lei). A autotutela, como visto, é realizada internamente, no âmbito da própria pessoa jurídica, e decorre da hierarquia obrigatoriamente estabelecida.


2.5. ESPECIALIDADE

Por conta desse princípio, as entidades estatais não podem modificar os objetivos para os quais foram constituídas. Sempre atuarão vinculadas e adstritas aos seus fins ou objeto social.

Não se admite, então, que uma autarquia criada para o fomento do turismo possa vir a atuar, na prática, na área da saúde, ou em qualquer outra diversa daquela legal e estatutariamente fixada.

A alteração do objeto somente é admissível se observada a forma pela qual foi constituída a entidade. O princípio é localizável no art. 37, XIX e XX, da Constituição, o primeiro condicionando à existência de lei a criação de autarquia e a autorização para a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, “definir as áreas de sua atuação”, e o segundo também condicionando à existência de lei a criação de subsidiárias das entidades referidas.

Com isso, tem-se a necessidade de expressa e prévia previsão legislativa para a criação de entidades que integram a Administração Indireta. As autarquias são criadas por lei; as empresas públicas e sociedades de economia mista têm a criação apenas autorizada por lei e, por fim, depende de lei complementar a criação das fundações.

Assim, pessoas jurídicas de direito público (como as autarquias) são criadas diretamente pelo legislador, enquanto pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista, por exemplo), cabe ao legislador apenas autorizar a sua constituição.

A Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76) também condiciona o exercício da atividade comercial pela sociedade de economia mista aos moldes da autorização deferida por lei, o que significa limitação aos poderes da assembleia geral de acionistas.

Os princípios da autotutela e da especialidade não se confundem com o princípio do controle ou tutela, que indica a necessidade de a Administração manter sob fiscalização as entidades a ela vinculadas (autarquias, fundações, agências, empresas estatais), e cujo exercício é fixado na lei que cria ou autoriza a constituição de tais entidades.


2.6. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE, DE LEGALIDADE, DE VERACIDADE

Para concretizar o interesse público que norteia a atuação da Administração, suas decisões são dotadas do atributo da presunção de legitimidade e de legalidade, tornando-as presumivelmente verdadeiras quanto aos fatos e adequadas quanto à legalidade.

Tal atributo permite a execução direta, pela própria Administração, do conteúdo do ato ou decisão administrativa, mesmo que não conte com a concordância do particular, e ainda que se lhe imponha uma obrigação.


2.7. RAZOABILIDADE

Por esse princípio, sabe-se que o administrador não pode atuar segundo seus valores pessoais, optando por adotar providências conforme o seu exclusivo entendimento, devendo considerar valores ordinários, comuns a toda coletividade.

O princípio é imanente ao sistema jurídico, decorrente lógico da cláusula do devido processo legal (CF, art. 5 º , LIV), e dele resulta a necessidade de observância do valor justiça, valor máximo tutelado pela ordem jurídica. Assim, ao administrador não é dado interpretar ou aplicar a lei que autoriza a sua atuação segundo seus valores pessoais, mas a partir da perspectiva do resultado que corresponda à concretização da justiça.

O princípio não é decorrente da racionalidade, mas da razoabilidade, e atua como limitação ao exercício do Poder. O princípio da razoabilidade tem enorme importância jurídica, incidindo em todas as formas de atuação da Administração Pública, mas sobretudo nas atividades realizadas sob o fundamento da discricionariedade. Dele resulta a necessidade de existir congruência lógica entre as situações fáticas e as decisões administrativas.

Em síntese, a razoabilidade exige que o administrador opte sempre pela forma mais adequada para o atendimento do interesse público, agindo a partir de critérios objetivos e impessoais.


2.8. PROPORCIONALIDADE

O princípio obriga a permanente adequação entre os meios e os fins, banindose medidas abusivas ou de qualquer modo com intensidade superior ao estritamente necessário.

A Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal, expressamente adota o princípio em seu art. 2º , parágrafo único, VI.

Assim como o princípio da razoabilidade, o da proporcionalidade interessa em muito nas hipóteses de atuação administrativa interventora na propriedade, no exercício do poder de polícia e na imposição de sanções.


2.9. MOTIVAÇÃO

A indicação dos pressupostos de fato e dos pressupostos de direito, a compatibilidade entre ambos e a correção da medida encetada compõem obrigatoriedades decorrentes do princípio.

O detalhamento, ou justificativa, será maior ou menor conforme o ato seja vinculado ou discricionário. A motivação mostra-se imprescindível para a efetivação de eficaz controle sobre a atuação administrativa.

A necessidade de motivação é também aplicável às decisões administrativas dos Tribunais, cujos julgamentos devem ser realizados publicamente (CF, art. 93, IX e X, com a redação dada pela EC n. 45/2004 — Reforma do Judiciário e do Ministério Público).


2.10. SEGURANÇA JURÍDICA

O princípio também pode ser nominado como o da estabilidade das relações jurídicas, e tem em mira garantir certa perpetuidade nas relações jurídicas estabelecidas com ou pela Administração.

Ao administrador não é dado, sem causa legal que justifique, invalidar atos administrativos, desfazendo relações ou situações jurídicas. Quando possível, porque legal e moralmente aceitos, deve convalidar atos que, a despeito de irregularidades, cumpram ou atinjam a finalidade pública.

Por vezes, o vício do ato é marcado por mera irregularidade formal, e a invalidação poderá ser mais prejudicial do que o aproveitamento de seus efeitos jurídicos, podendo o administrador proceder à convalidação (ou sanatória) daquele ato.

É crescente o reconhecimento de outros princípios incidentes na regência do direito administrativo. Como, por exemplo, o da legitimidade (a atuação estatal há de conservar respeito aos valores acolhidos pela comunidade, já que ela define o interesse público) e o da economicidade (como decorrente do princípio da eficiência e porque fixado no art. 70 da CF), além de outros (como o da transparência, o da responsividade e o da hierarquia).


3. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

A violação de qualquer dos princípios da Administração ou do direito administrativo, assim como de suas regras, pode inibir a edição de ato, contrato ou instrumento administrativo válido e capaz de produzir efeitos jurídicos.

A violação, isolada ou conjuntamente, sugere sempre o exercício do controle dos atos da Administração, seja por meio de mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, seja mesmo pela aplicação dos princípios da autotutela e da tutela.

Há, contudo, situações que importam maior gravidade, ensejando, a partir da violação do princípio, a aplicação de sanções civis, penais e administrativas, conforme a hipótese.

Assim, por exemplo, pode haver a violação isolada ou concomitante de um ou mais princípios, importando a apuração de toda sorte de responsabilidade do agente público e do particular eventualmente beneficiado pelo ato ilegal.

Tome-se, por exemplo, a contratação com fraude ao procedimento licitatório e consequente favorecimento do contratado: houve violação do princípio da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, podendo ter ocorrido, ainda, a violação do princípio da eficiência.

Tal contratação poderá ensejar a aplicação da Lei n. 8.429/92, apurando-se a prática do ato de improbidade administrativa por meio de ação civil pública. Mas a mesma contratação tanto poderá ensejar a impetração de mandado de segurança pelo titular do direito de participar de certame licitatório válido quanto o ajuizamento pelo cidadão de ação popular ante o prejuízo causado ao patrimônio público.

Admite-se a convalidação, seja por meio de ratificação, seja mediante confirmação, de atos administrativos editados com preterição dos princípios, em especial quando deles não decorrer prejuízo material para os administrados e para a Administração Pública.

Os atos praticados com vício de forma, porque não observada regra de competência, ou com preterição da forma exigida em lei, podem e devem ensejar a convalidação.

Assim agindo, a Administração estará saneando o ato e homenageando o princípio da legalidade. Não será admitida, porém, para atos editados com preterição dos motivos, do conteúdo ou da finalidade, porquanto deles sempre será resultante grave prejuízo.

Ainda que possível a convalidação do ato, será sempre possível a responsabilização do agente, ainda que sob o prisma exclusivo da própria Administração.

A atuação administrativa contrária aos princípios enunciados acarreta, por isso, ao ato a invalidade dos efeitos almejados pelo agente ou pela Administração. Assim, perpetrado ato com preterição da especialidade, ou paralisado o contrato com inobservância do princípio da continuidade, decorrerá a edição de ato nulo, sujeitando seus responsáveis à apuração do prejuízo a que tiverem dado causa.

Tome-se como exemplo a assembleia geral de acionistas que delibera alterar o objeto social de uma sociedade de economia mista, fazendo-o contra a disposição do art. 37, XIX, da Constituição Federal e de forma contrária ao princípio da especialidade.

Os atos subsequentes à ilegal modificação não deverão produzir efeitos válidos. O mesmo se processará em relação aos demais princípios. Sendo a violação qualificada, poderá ocorrer a prática de ato de improbidade administrativa, na figura descrita pelo art. 11 da Lei n. 8.429/92.

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